Momentos antes da última largada da carreira, no circuito de Ímola, em San Marino
O dia 1º de maio de 1994 tinha tudo para ser um domingo como
outro qualquer. Fui acordado pelo meu pai que estava arrumando as coisas para o
sagrado futebol no campo do 'seu' João. Levantei rápido e, lógico, já liguei a
televisão. Domingo era dia de pelada com o 'velho', guaraná Joaninha e Fórmula Um. Era
muito difícil, naquela época, alguém ignorar esse esporte a motor. "Culpa" de
Nelson Piquet e Ayrton Senna.
Em 1994 eu era apenas um garoto de cinco anos de idade, mas
já sabia que o "cara de capacete amarelo" era o nosso herói. E naquele dia
liguei a televisão para assistir a primeira metade da corrida, enquanto meu pai
esperava um amigo passar em casa para nos levar para o futebol (a segunda
metade todos assistiam no campo do 'seu' João. A pelada só começava quando a
corrida terminava ou Senna saía). Só que logo no começo, na sétima volta, o
acidente (que todo mundo já assistiu milhares de vezes) aconteceu. Na hora,
minha primeira reação foi correr para a minha avó, que estava na cozinha. Minha
tia ligou a televisão na mesma hora e apontou a mancha vermelha ao lado do
carro.
“Isso é sangue, não é?”, perguntou ela. Na hora pensei: “Sangue?
Não é possível! Isso é gasolina. Só pode ser”. Na minha cabeça Senna era um
tipo de Homem de Ferro, igual ao do filme. A diferença é que ele era mais legal
do que o personagem dos quadrinhos.
Chegando no campo, fiquei com os filhos dos amigos do meu
pai, já que era costume jogar bola com eles enquanto nossos pais estavam
jogando também. Mas a única coisa que fizemos foi falar sobre o Senna, sobre o
acidente.
“O que será que aconteceu?”
“Por que o sangue? Era sangue mesmo? De onde veio o sangue?”
“Ah, se o sangue veio da barriga dá para costurar!”
“Dá?”
“Dá! Mas e se foi no pescoço? Aí, acho que não dá”
“Não dá?”
Esse foi o diálogo que tive com uma das crianças que estavam
lá comigo. Não lembro de ter bebido o famoso e delicioso guaraná Joaninha
naquele domingo. Lembro de chegar na casa da minha avó, onde morávamos, e um
vizinho me dizer:
“Você viu? O Senna morreu!”
“Morreu? Como assim, morreu?”
Na hora veio o acidente do Roland Ratzenberger, piloto austríaco que morreu nos treinos de sábado. A imagem da cabeça dele balançando após a colisão também me marcou. Não acreditei no que o vizinho disse, embora soubesse que a coisa era séria. Mesmo
com cinco anos de idade, dava para ter essa noção. Porém, a notícia ainda não
era oficial. No almoço o tema da conversa era o mesmo. Na TV, boletins com o Léo
Batista informavam sobre o que acontecia na Itália. Até que veio a triste notícia.
Eu estava na sala, no tapete, onde semanas atrás gritava junto com meu pai para
que o fiscal empurrasse a Williams FW-16 para dentro da pista de Interlagos
quando Senna rodou no GP do Brasil, o primeiro daquele ano.
À tarde, como de costume, fiz o meu Grande Prêmio da Praça Monsenhor Silva Barros, com meus carrinhos de plástico. Mas não era a mesma coisa, o incentivo
não era o mesmo. No dia seguinte levei um volante velho que tinha para a escola.
Era uma espécie de homenagem? Não sei. Talvez.
Nessa época, com cinco anos de idade, a gente não sabia ainda
o que era a morte realmente. Acredito que nenhum dos coleguinhas tinha passado por isso na
família. E então nos deparamos com uma morte que comove milhões de pessoas.
As coisas ficaram ainda mais confusas. Uma menina falou: "Minha mãe disse que as pessoas boas vão para o céu quando morrem". E a professora concordou, explicou do jeito dela como isso poderia acontecer e tal. Uma tentativa de tornar as coisas normais.
Hoje, 19 anos depois, já li muitas coisas sobre o acidente, já vi o acidente no youtube pelo menos um milhão de vezes e acredito que as coisas acontecem quando tem que acontecer. Se está escrito não tem quem mude. O que é uma pena, em alguns casos. Como esse, por exemplo. O lado bom é que existe um legado nisso tudo, um rastro. Assistindo as corridas do Senna, podemos aprender a não desistir (Suzuka 1989 e Interlagos 1991), a insistir no que acha certo (Interlagos 1993), entre outras coisas...
*O título é parte da letra da música "Corredor-X" do Biquíni Cavadão, de 1988.